Amizade se escreve assim

Foi durante a Primeira Grande Guerra. Eles eram jovens e a amizade que os unia tinha a ver com alguns momentos de lazer, de música e, sobretudo, de sobrevivência. Ele não poderia esquecer que devia sua vida a um judeu alemão chamado Erik. Um ano mais velho que ele próprio, Erik ensinou Hans a tocar acordeão.

Certo dia, o sargento entrou no alojamento perguntando quem tinha letra bonita. O capitão precisava que fossem escritas umas 12 cartas. Ele estava com reumatismo ou artrite ou algo parecido e não podia escrevê-las. Ninguém se voluntariou. Erik, no entanto, resolveu indicar o amigo. Falou que ele tinha caligrafia impecável.

Em verdade, a capacidade de redação de Hans era reduzida. Mas ele escreveu as cartas, enquanto o restante dos homens entrava em combate. Nenhum deles voltou. O corpo de Erik foi encontrado em vários pedaços, numa colina cheia de relva. Hans guardou o acordeão do amigo e o levou consigo, durante toda a guerra.

Ao regressar para casa, localizou a família de Erik, para devolver o instrumento. A viúva não o quis. Olhar para o instrumento musical lhe trazia memórias ainda mais nítidas do tempo em que ela e o marido davam aulas de música. Hans tocou para ela, enquanto ela chorava, em silêncio.

Num papel, Hans escreveu seu nome e endereço. Sou pintor profissional. Pinto seu apartamento de graça, quando a senhora quiser. Hans se foi, logo após descobrir que Erik deixara um filho pequeno, de nome Max.

Mais de 20 anos se passaram. Com a chegada da Segunda Guerra Mundial e a perseguição aos judeus, Max foi ocultado em um depósito por meses a fio, por um amigo alemão. Contudo, o perigo aumentava dia a dia. Era preciso sair dali. Max lembrou de Hans, o amigo de seu pai. E da promessa feita à sua mãe.

Sim, ela nunca precisara da pintura no apartamento. Mas ele precisava de um abrigo. Um contato foi enviado ao endereço de Hans. Semanas depois, veio a informação: Hans ainda tocava acordeão, o do pai de Max. Não era filiado ao Partido Nazista. Era pobre, casado e tinha uma criança. Importante: ele lhe mandara um livro. Na capa interna, escondida, uma chave. A chave de sua casa.

Assim, nas primeiras horas de uma madrugada silenciosa, na pátria do nazismo, um jovem judeu chegou à casa de Hans. Colocou a chave na fechadura, entrou na cozinha. Hans despertou. Desceu os degraus, no escuro. No escuro, encontrou o jovem fugitivo. Fez-lhe café para aquecê-lo. Depois, o escondeu no porão.

Era uma situação aflitiva. Assustadoramente aflitiva. Se Hans e a esposa fossem apanhados dando abrigo a um judeu, seriam presos, condenados, talvez mortos. Nunca mais veriam a criança… Mas Hans fizera uma promessa. Devia sua vida ao pai daquele jovem. E jamais poderia esquecer isso.

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